Monday, March 26, 2007

fios

Tinha um vestido côr-de-rosa, e a cara de porcelana pintada com duas manchas rosas nas bochêchas.
Os olhos eram azuis; mas não daquele azul-azulão, nem azul forte... eram de um azul triste, apagado com o tempo. Era velha.
Os panos que lhe faziam de corpo ja tinham sido rasgados faz muito e faltava-lhe um sapato..certamente algum miúdo o tinha roubado.
Dava pena.

Mesmo assim, todas as noites o pequeno rapaz limpava a boneca. Passava o pano 10 vezes na cara e 10 vezes mais nas mãos. A boneca brilhava e até parecia que sorria quando a tirava da caixa para a limpar.
Quando se lembrava dela, ela sabia que era porque ia haver actuação.

Os fios que lhe colocava nas mãos, nas pernas e na cabeça, eram transparentes. Ele escolhia-os bem, para que fossem invisiveis aos olhos humanos.

Só a boneca podia sentir os fios, e só ela podia ver como esses fios a levavam por sitios, onde ela não queria estar.
Com o novo vestido e a porcelana a brilhar,..nas noites de festa, a boneca bailava sem parar.
Ele fazia.a dar voltas e voltas com a melodia, e os miudos aplaudiam com gosto. Ninguem reparava na tristeza daqueles trapos, e com os trapos tristes todos sorriam, pois nunca antes nenhum de todos aqueles se importou.

A música começava lenta, e depois o ritmo crescia. Ao som de yann tiersen, ela dançava e dançava...
Mais tarde, era-lhe retirado o vestido de festa cor-de-rosa, os fios transparentes, e os sapatos novos...e por ali ficava esquecida naquela gaveta com pó.